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terça-feira, 30 de abril de 2013

Lendas dos Orixás: Ajalá (o oleiro primordial) e Ori

AJALÁ(*) MODELA A CABEÇA DO HOMEM


Odudua criou o mundo, 
Obatalá criou o ser humano.
Obatalá fez o homem de lama,
com corpo, peito, barriga, pernas, pés.
Modelou as costas e os ombros, os braços e as mãos. 
Deu-lhe ossos, pele e musculatura. 
Fez os machos com pênis 
e as fêmeas com vagina, 
para que um penetrasse o outro
e assim pudessem se juntar e se reproduzir.
Pôs na criatura coração, fígado e tudo o mais que está dentro dela,
inclusive o sangue. 
Olodumare pôs no homem a respiração 
e ele viveu. 
Mas Obatalá se esqueceu de fazer a cabeça
e Olodumare ordenou a Ajalá que completasse 
a obra criadora de Oxalá.
Assim, é Ajalá que faz as cabeças de dos homens e mulheres. 
Quando alguém esta para nascer,
vai à casa do oleiro Ajalá, o modelador de cabeças.
Ajalá faz as cabeças de barro e as cozinha no forno. 
Se Ajalá está bem, faz cabeças boas. 
Se está bêbado, faz as cabeças mal cozidas, 
passadas do ponto, malformadas. 
Cada um escolhe sua cabeça para nascer.
Cada um escolhe o ori(**) que vai ter na Terra.
Lá escolhe uma cabeça para si. 
Cada um escolhe seu ori
Deve ser esperto, para escolher cabeça boa. 
Cabeça ruim é destinho ruim, 
cabeça boa é riqueza, vitória, prosperidade,
tudo o que é bom.

(*) Ajalá =  orixá da Criação, é encarregado de fabricar as cabeças, ori; 
está esquecido no Brasil e Cuba.
(**) ori =  cabeça, destino.


Ajalá modela a cabeça do homem. Wande Abimbola, 1975, pp. 32-3, 125-32. 
Ajalá está esquecido no Brasil, tendo sido substituído por Iemanjá, a dona das cabeças, a quem se canta, no xirê, quando os iniciados tocam a cabeça com as mãos para lembrar esse domínio, e na cerimônia de sacrifício à cabeça (bori), rito que precede a iniciação ao orixá daquela pessoa. A cabeça, o ori, é associada ao destino, que não pode ser mudado, e mesmo a infelicidade é entendida como consequência de uma escolha mal feita. Em Cuba, conforme vários mitos, Odudua teria feito as cabeças, as quais são cultuadas no assentamento individual de cada iniciado da entidade denominada Ossum, que na mitologia africana é uma das mulheres de Orunmilá. Não confundir com Oxum. 


ORI(*) LIVRA ORUNMILÁ DE AMEAÇAS
Ori
Orunmilá estava um dia distraído
e de repente deu-se conta que era observado
por Morte, Doença, Perda, Paralisia e Fraqueza.
Orunmilá ouviu o que diziam,
que elas diziam umas às outras:
"Um dia a gente pega este aí".
Elas riam desavergonhadamente,
plantavam bananeira,
faziam micagens e gestos obscenos.
"Mais cedo ou mais tarde a gente pega este aí."
Orunmilá assustou-se.
Orunmilá voltou para casa.

Orunmilá foi consultar o seu Ori.
Somente Ori podia salvar Orunmilá.
Somente Ori podia livrar da Morte.
Só a cabeça poderia livrá-lo da Doença.
Era o Ori que o livraria da Perda.
O Ori de Orunmilá o livraria da Paralisia.
Somente seu Ori podia livrá-lo da Fraqueza.
Orunmilá foi consultar sua cabeça.
O Ori livra o homem dos males.
Orunmilá fez os sacrifícios à cabeça, fez bori(**).
Ori aceitou as comidas oferecidas,
ficou forte e expulsou os problemas de Orunmilá.
Nada mais podia ameaçar o seu devoto.
Ori salvou Orunmilá da Morte e da Doença,
da Perda, da Paralisia e da Fraqueza.
Ori livrou seu devoto de todas as ameaças.

(*) Ori = divindade da cabeça de cada indivíduo, recebe oferendas no ritual do bori.
(**) bori = sacrifício à cabeça; primeiro rito de iniciação no candomblé.

Ori livra Orunmilá de ameaças. Wande Abimbola, 1976, p.116.
O ritual do bori - literalmente, dar comida à cabeça - foi preservado no candomblé e é o sacrifício votivo que precede a iniciação sacrificial para o orixá. Antes do orixá, deve-se louvar a cabeça do devoto. Em iorubá os nomes da Morte, Doença, Perda, Paralisia e Fraqueza são: "Iku","Árùn", "Ófò","Ègbà", "Èsé".


Fonte: Mitologia dos Orixás - Reginaldo Prandi - Cia. das Letras