“Nove filhas nascidas do grande Zeus:
Glória, Alegria, Festa, Dançarina,
Alegra-coro, Amorosa, Hinária, Celeste
E Bela–voz que dentre todas vem à frente,
Insuflaram-me um canto divino,
Para que celebrasse o que será e o que antes houve
E a Elas primeiro e por último sempre irei cantar...”
Hésiodo, Teogonia
Musas dançando com Apolo por Baldassarre Peruzzi |
Calíope: seu nome significa Bela Voz
Detalhe do quadro As Musas Urânia e Calíope de Simon Vouet
Clio: seu nome significa A Proclamadora
Clio, por Pierre Mignard
Érato: seu nome significa Amável
Euterpe: seu nome significa A doadora de prazer
Euterpe por Egide Godfried Guffens (Bélgica, 1823-1901)
Melpômene: seu nome significa A poetisa
Tália: seu nome significa A que faz brotar flores
La musa Talía, Galleria Corsini, Florencia
Terpsícore: seu nome significa A rodopiante
Urânia: seu nome significa A celestial |
Urania tthe Muse of Astronomy |
As Musas, padroeiras das artes, ciências e memórias
por Mirella Faur
Nos textos antigos as Musas apareciam como deusas das fontes de inspiração, posteriormente lhes foram atribuídas a regência da música, dança, poesia, teatro e ciência. A sua genealogia difere em função dos autores, a mais comum as considera filhas de Zeus e Mnemosine, a deusa da memória, nascidas no sopé do Monte Olimpo após um amor de nove noites do casal divino. No inicio cultuavam-se três Musas no Monte Helicon: Mélete (a meditação), Mneme (a memória) e Aede (o canto) e outras três em Delfos: Nete, Mese e Hipate, correspondendo às cordas da lira. Outros cultos surgiram e seus nomes foram mudados até estabelecer-se a versão final, que descreve nove arquétipos com nomes diferentes.
As Musas eram cultuadas em diversos lugares na Grécia com festivais chamados Museai, em que se faziam competições de poesia, teatro, música e lhes eram ofertadas frutas, leite e mel. Como incentivadoras dos aspectos sutis da mente humana, elas foram invocadas durante milênios por poetas, artistas, músicos, escritores, pintores, considerados felizes afilhados das Musas, pois ao expressar e compartilhar seus dons esqueciam-se as preocupações e pensamentos sombrios.
Foram as Musas que ensinaram a arte do diálogo, inspiraram a diversidade dos hinos que glorificavam divindades e atos heróicos, conferiram o dom da clarividência (dádiva por elas recebida da sua mãe Mnemosine) e a capacidade do esquecimento seletivo, das tristezas, aflições e sofrimentos (lesmosine). Esquecer é um mecanismo de proteção, um dom divino assim como é a memória; porém, mesmo aparentemente esquecidas, as lembranças do passado permanecem escondidas na mente subconsciente e nos registros do corpo, podendo ser resgatadas, integradas ou transmutadas.
O culto das Musas iniciou-se na Trácia de onde se espalhou na Beócia e para o restante da Grécia; inúmeros santuários foram erguidos para o seu culto, e as fontes de Castália e Parnasso foram a elas consagradas. Em muitos dos seus templos também se cultuavam as Cárites, ou Graças: Aglaia (a Gloriosa), Eufrosina (a Alegria) e Tália (a Fartura), todas sendo saudadas com poemas e libações de mel e leite. Em Roma as Musas eram chamadas de Camenes –“agradáveis cantoras” – e descritas passeando envoltas em nuvens, acompanhadas por Apolo coroado de louros e tocando a lira.
Hesíodo era um simples pastor grego, agraciado pelas Musas com o dom da poesia e a capacidade de ver o passado, presente e futuro. Ele tornou-se o porta-voz delas e como gratidão cantou em versos seus nomes, apresentação e atributos, descritos a seguir.
Calíope era a mais velha, associada com filosofia, eloquência e poesia épica, considerada a mãe do poeta Orfeu e do músico Linus, gerados com Apolo.Seu emblema era uma tabuleta de cera e um burilo, às vezes um rolo de pergaminho ou livro.
Clio introduziu o alfabeto fenício na Grécia, regia a poesia heroica e a história, incentivando a exaltação da gloria. Seu emblema era uma prateleira de livros e um rolo de pergaminho.
Erato era a Musa da poesia lírica e erótica, seu nome significando “Amorosa”, seu dom sendo o amor. Era descrita segurando uma lira. Euterpe, trazia alegria e prazer a todos que ouviam seu canto, seu nome significando “Deleite”. Regia a poesia lírica e a música, seu emblema sendo uma dupla flauta por ela criada.
Melpomene regia a tragédia, cuja máscara ela segurava junto com uma espada.Usava coturnos, sapatos usados pelos atores trágicos, uma coroa de folhas de hera e seu nome significava “Coro”, pois ela incentivava os ouvintes a cantarem junto com ela.
Polímnia (ou Polihímnia) era a padroeira dos hinos sagrados, da eloquência e da dança.Apresentava-se como uma mulher séria, sem emblemas, envolta em um manto, em postura meditativa, com um dedo nos lábios recomendando silenciar para ouvir.
Terpsicore, a Musa da dança, do drama e da poesia lírica segurava uma lira e ficava sentada. Era a mãe das Sereias, geradas com um deus do rio e que agraciava seus discípulos com o dom do canto e da dança.
Tália (seu nome era igual a uma das Cárites) presidia a comédia, a poesia alegre e lírica, bem como as ocupações e festividades rurais.Era representada segurando uma máscara cômica e um cajado de pastor ou uma guirlanda de hera.
Urânia era a Musa da astronomia, astrologia, filosofia e do amor universal, representada vestida com um manto bordado com estrelas, olhando para o céu, com um globo na mão esquerda e um bastão na mão direita. Seu nome significava ”Celeste” por elevar seus discípulos a níveis sutis e prever o futuro pela posição das constelações.
Desde os tempos antigos reverenciava-se a Memória como sendo uma Deusa, pois da sua união com o pólo masculino nasceu a inspiração e a criatividade. A memória nos liga ao passado, a lugares e pessoas, sendo a guardiã da nossa personalidade, pois sem as nossas lembranças não saberíamos quem somos, nem o que nos diferencia dos demais.
A arte de contar histórias baseia-se na memória e era o único meio usado durante milênios para preservar e transmitir histórias e lembranças ancestrais. Com o advento da industrialização e os avanços tecnológicos, a memória tornou-se menos importante, pois as informações passaram a ser guardadas em livros e atualmente nos computadores; assim a arte de contar histórias tornou-se obsoleta. Porém, ela está ressurgindo aos poucos no compartilhar dos eventos pessoais, nos espetáculos ao vivo, nos encontros de grupos e nas atividades criativas. Para resgatar e honrar o dom da deusa Mnemosine e as artes das Suas filhas, nós mulheres, herdeiras das contadoras de histórias e das lembranças ancestrais, precisamos nos reunir cada vez mais em grupos e círculos, partilhando nossos mitos e histórias pessoais, entremeadas com danças, canções, artes e poemas.
A Musa vive dentro de cada uma de nós como uma necessidade de expressar a criatividade e o prazer estético. A atividade criativa manifesta idéias e visões através de um meio físico, o prazer estético sendo a apreciação das realizações humanas com imagens belas e simbólicas. As Musas nos ajudam a descobrir nossas formas internas e manifestá-las no mundo externo e, dependendo das nossas opções, podemos cultivar algumas das infinitas possibilidades que elas nos oferecem.
Por nosso intermédio e usando nossos talentos inatos as Musas alcançam o seu propósito: celebrar a beleza, a harmonia e o mistério. A Musa habita em nós independentemente das formas e meios com que iremos expressar a nossa criatividade; depende de nós dar-lhe as boas vindas em cada ato, gesto e ação do nosso cotidiano. Além da habilidade, precisamos ter a visão daquilo que desejamos criar e através de uma escuta ativa e conexão voluntária, aprimorarmos nossas idéias e realizar objetivos criativos, artísticos ou filosóficos. Devemos vencer dúvidas e medos, permanecer no nosso centro, confiar e buscar o aperfeiçoamento e desenvolvimento pessoal.
A Musa mora em nosso coração e mente, nos desejos, sonhos, esperanças e visões e nos sustenta em nossa caminhada e evolução se buscarmos sua ajuda e a reverenciarmos e invocarmos antes de iniciar um projeto intelectual ou uma atividade criativa.