domingo, 13 de abril de 2014

Os acontecimentos da Semana Santa / Domingo de Ramos

Os sete dias que precedem a Páscoa podem ser comparados às doze noites santas do período natalino. Os sete dias da Paixão dotam aqueles que participam, em atividade interior, do Mistério da Paixão, de novas forças para todo o seu destino.”

Emil Bock


Os Acontecimentos da Semana Santa – Introdução

A semana que precede a Páscoa é um período significativo que se destaca não apenas no ano Cristão, mas também no transcurso anual da própria Natureza. No ano cristão ela encerra toda a plenitude do drama da Paixão,  a grande parte final do Evangelho. Em diversas regiões ela é designada como “Semana do Silêncio” ou também como “Semana Magna”, revelando-se assim que só pode contar  com a realização da festa da Ressurreição quem é capaz de vivenciar  toda a grandeza da Semana Santa.

O significado da semana que precede a Páscoa no transcurso natural do ano reside na lua cheia da primavera. Rompe-se definitivamente o encanto do inverno a nova vida da Terra progride aos saltos, com um poderoso ímpeto seivas e forças começam a geminar e brotar no reino vegetal. Na luta entre o dia e a noite, o dia alcança a supremacia vitoriosa que se consolidará em triunfo da luz no primeiro domingo após a lua cheia da primavera.

O conteúdo evangélico da Semana Santa não coincide de antemão com a natureza primaveril. Pelo contrário, opõe-se-lhe em contraste agudo.

Somente no final, ao nascer o sol da Páscoa, ele desemboca em júbilo estivo que coincide com o rejubilar do milagre da primavera. O drama sério da Semana Santa é, no entanto a preparação dessa consonância. A primavera da natureza irrompe por si mesma. A primavera interior da festa da Ressurreição deve ser conquistada através da peregrinação ao longo das estações da Semana da Paixão.

Os sete dias que precedem a Páscoa podem ser comparados às doze noites santas do período natalino. O período “entre dois anos” é, para os que devotamente se entregam à trama do pleno inverno, a preparação adequada para os doze meses do ano novo. Os sete dias da Paixão dotam aqueles que participam, em atividade interior, do Mistério da Paixão, de novas forças para todo o seu destino.

Os acontecimentos que se passaram a 2000 anos na Semana Santa entre o domingo de Ramos e o domingo da Ressurreição foram revelações arquetípicas do destino que, a cada ano, conferem aos sete dias de cada semana um novo e mais elevado sentido e um cunho luminoso que plasma as almas.

Os dias da semana sempre contiveram as diversas cores e os sons das sete esferas planetárias, conforme revelam seus nomes nas línguas européias: Sol(domingo = Sonntag); Lua ( segunda-feira = Montag); Marte (terça-feira =  Mardi em francês); Mercúrio (quarta-feira = Mercredi); Júpiter (quinta-feira =  Jeudi); Vênus (sexta-feira = Vendred); Saturno (Sábado = Saturday). Naquela semana pré-pascal, entretanto, cada dia da semana recebeu, além da diferenciação cósmica, o cunho do pensamento planetário cristão.

Os dias da Semana Santa ainda não têm seu conteúdo plenamente realizado na sensibilidade cristã: o único a se impor foi a sexta-feira santa, com a concepção da cruz no alto do Gólgota: para uma parte da cristandade, esta imagem se estendeu a todas as sextas-leiras, transformadas em dias de jejum. Além da sexta-feira, somente o domingo de Ramos relacionou-se a uma imagem poderosa nas regiões onde é hábito o enfeite com ramos de palmeira: a imagem da Entrada em Jerusalém. Em realidade, porém, cada um dos sete dias revela um novo mistério cósmico sob uma forma humana e histórica.

Quando o Cristo entrou em Jerusalém no domingo de Ramos, o antigo Sol ainda reinava no céu, mas recebeu sua despedida a fim de que pudesse nascer, no domingo seguinte, o novo sol da Páscoa. Quando, na segunda-feira, o Cristo condenou a figueira e limpou o templo na Cidade Santa, o sol de Cristo se opôs ao princípio lunar, às forças lunares do Velho Mundo, necessitadas de uma renovação.

Quando o Cristo, na terça-feira, teve que discutir com os adversários que chegavam em grupos para induzi-lo a trair-se; quando ele teve que lutar com a arma do Verbo espiritual; e quando, finalmente, no ressoar vespertino dessas lutas, ele se retirou com seus discípulos para o Monte das Oliveiras e lhes abriu a visão profético-apocalíptica do futuro, o espírito de Marte também recebeu, por sua vez, o cunho do Cristo. Na quarta-feira, durante a Unção de Bethânia e a traição de Judas, Mercúrio encontrou-se com o sol do Cristo. E, na quinta-feira quando o Cristo lavou os pés dos discípulos e lhes ofereceu a Santa Ceia, uma auguriosa luz de Júpiter iluminou a aflição e a tristeza das almas.

Na sexta-feira santa ocorreu a mais milagrosa elevação de tudo o que pudera significar para o homem a idéia da deusa do amor; Vênus ou Afrodite: deu-se um ato de amor, maior do que qualquer ato de amor possível. O Sacrifício por amor em Gólgota foi a transformação do princípio de Vênus pelo princípio solar do Cristo. Quando o Cristo repousava no sepulcro, o sol do Cristo encontrou-se com o espírito de Saturno  no universo, até que, finalmente, no domingo, a própria oitava do sol nasceu no firmamento, o sol do Cristo, que vencera todas essas etapas de luta.

O drama do mistério da Semana Santa é uma unidade grandiosamente completa em si. Acompanha-se de um mistério de composição que se nos desvenda à medida que desenvolvemos o sentido em relação ao valor das etapas na vida de Jesus. O que aconteceu nos sete dias pré-pascais é uma condensação de toda a vida do Cristo. As mesmas leis originais e as mesmas etapas reveladas na sagrada biografia dos três anos ressurgem dramaticamente resumidas diante de nossa visão. A partir da semana da Paixão podemos reconhecer nos três anos da vida do Cristo toda uma grande Paixão. A Entrada em Jerusalém é uma oitava do Batismo no Jordão. Completa-se a entrada do Cristo em nossa existência terrena. Recebe seu cunho definitivo o mistério da Encarnação que se iniciara três anos antes.

Os acontecimentos da segunda-feira, a maldição da figueira e a purificação do templo correspondem à tentação do Cristo descrita pelos três primeiros evangelhos. O Cristo se defronta aí mais uma vez com as velhas forças lunares do mundo. Não lhe servem, ele as afasta e vence a tentação de usá-las. Não lhe importam os sucessos externos, importa-lhe completar sua missão. A limpeza do templo relatada no Evangelho de João pertence, como vimos, aos ecos da vivência da Tentação e, portanto, se situa no quadro das grandes correspondências da outra limpeza do templo relatada nos primeiros três evangelhos. E quando, na terça-feira, as réplicas na discussão com os adversários reluzem como golpes de espada e quando, à noite, os relâmpagos apocalíptico atravessam a conversa com os discípulos, repete-se, em um nível mais elevado, o que ocorreu quando Jesus teve que se separar de sua terra natal e de seus parentes de sangue em Nazaré, a fim de se dedicar ao parentesco espiritual, ao círculo de seus discípulos. O Apocalipse do Monte das Oliveiras corresponde ao Sermão na Montanha, no qual foi firmada a dedicação decidida à família espiritual. Aos acontecimentos da quarta-feira, unção em Bethânia e traição do Judas, corresponde, na grande vida do Cristo, a tragédia de João Batista. É a mesma crise, a mesma conjunção. O Lava-Pés e a Santa Ceia são a oitava, a última repetição decisiva, do mistério que já reluzira na alimentação dos cinco mil e na perambulação à beira do mar.

O que acontece na sexta-feira nada mais é do que a acentuação final e a realização total da Transfiguração da Montanha. O Sepultamento no Sábado de Aleluia leva mais adiante, no âmbito das decisões cósmicas, aquilo que estava encerrado na decidida partida para a Judéia, na partida para o campo de batalha da decisão. Na manhã de domingo da Páscoa confundem-se os dois círculos, o grande dos três anos e o pequeno dos sete dias. A Semana Santa como um todo corresponde, na vida do Cristo, à irrupção do sol que, dentro da Semana Santa, só ocorre na manhã do domingo da Ressurreição.


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Domingo de Ramos – Dia do antigo Sol

No primeiro dia da Semana Santa, o Cristo entra na Cidade Santa. Apresenta-se-nos uma imagem irrelevante. Vemo-lo atravessar as portas da cidade montado em um burro, seguido por seus fiéis. Mas, como se fora o próprio Deus da primavera, sua entrada provoca repentinamente um êxtase na alma da multidão. É como se algo do antigo êxtase solar das festas pagãs, da primavera se apoderasse dos homens: acende-se uma faísca. Ao cortar ramos de palmeira, o povo renova um hábito muito antigo, volta-se, às festividades em honra ao sol no início da primavera, comuns entre os povos pré-cristãos.

Pois a palmeira sempre foi considerada a árvore e o símbolo do sol, do sol natural que no céu primaveril desenvolve uma força tão nova. O povo enfeita o caminho com símbolos solares. Será ele talvez realmente o alto amigo e senhor do sol, anunciado aos homens como o grande rei da luz? Deverá ser quebrado o encanto do significado espiritual original da cidade de Jerusalém, que abrigava, na montanha de Sion, um dos mais antigos templos do Sol, antes que o templo de Salomão, na montanha da Lua, superasse tudo em importância? Ressurgirá a época de Melquisedeque, o grande iniciado do rito solar? Parece mesmo que o Cristo encontrará agora o acesso à Humanidade. O alto espírito solar já habita há três anos um corpo humano, já atravessou destinos humanos, terrenos. Manteve-se afastado, em silêncio. Se aparecia uma vez ou outra, encontrava incompreensão e inimizade por parte dos homens. Será diferente, agora? Será que o destino levara agora diretamente a uma grande salvação, em meio a jubiloso êxtase?

Não, estamos no inicio da mais séria semana da História da Humanidade. Os mesmos homens que espalham ramos de palmeira e irrompem extasiados em gritos de hosana, gritarão fanaticamente,alguns dias mais tarde, cheios de ódio: “Crucificai-o!”. Ao símbolo da vida, ramo de palmeira, virá se juntar o símbolo da morte, a cruz do Gólgota.

O próprio Cristo contribuiu para essa reviravolta.  Atravessa em silêncio, sério, o povo que vibra em êxtase. Percebe nesta recepção a sua superficialidade. Visa camadas mais profundas. Quer algo muito diferente.

Em termos humanos poder-se-ia perguntar, por que Jesus não ficou na Galiléia, sua terra, naquela época do ano em que justamente ao redor do Lago Genezaré eclodem os milagres de cor primaveris? Tivesse ficado na Galiléia não teria morrido. Mas podemos igualmente perguntar por que o Cristo, sendo Deus, não ficou nos mundos espirituais, nas esferas celestes? Não ficou nas bem-aventuradas alturas divinas. Deixou o céu e se fez homem. Realizou todo o sentido do seu ser através deste sacrifício, desta renúncia. Ao entrar em Jerusalém, sabendo exatamente que estava atirando a luva àqueles que tinham poder sobre ele, completava-se sua entrada no mundo terreno. No início da grave semana repete-se, ainda uma vez, em outro nível, aquilo que três anos antes significou o começo de sua vida terrena. Do mesmo modo que abandonara o céu, abandona agora a natureza paradisíaca da Galiléia.

Quando ele desceu do céu a terra, os homens nada perceberam. João Batista, que prestou o auxílio sacerdotal àquela encarnação na existência terrena, apenas supunha o que estava acontecendo quando Jesus de Nazaré tornou-se portador e continente do Cristo. Mas, através do Homem, o fato foi percebido. Ressoou a palavra: “Este é meu filho amado”. Agora, no domingo de Ramos, nessa hora misteriosa, festivamente excitada, os homens o perceberam. À palavra que naquela ocasião ressoara apenas das alturas espirituais corresponde agora o “hosana” dos homens extasiados. Subitamente, os homens percebem, como em uma renovação instantânea da antiga clarividência, que não é apenas homem aquele que vem montado no burrinho. É como se a alma do povo se precipitasse para perceber o brilho irradiante, a aura solar que emana de Jesus de Nazaré. O ser divino do Cristo teve que se reter durante três anos, pois, se não fizesse, teria violentado os homens com sua força divina. Agora, no entanto, o fruto desta reserva é que o divino que se sacrificara, que se rebaixara entrando no humano, transforma-se em poderosa decisão volitiva. Primeiro, o divino ofuscava, escondia o humano na figura do Cristo. Agora, o humano arde em fogo divino. E é deste fogo de volição que parte a faísca que acende o entusiasmo da massa popular. A embriaguez de uma premonição primaveril se apodera do povo, mas este só sabe interpretar o fato politicamente.

O Cristo sabe melhor. Sabe que está trazendo algo à Cidade Santa, quintessência de toda a evolução pré-cristã da Humanidade: está introduzindo algo de totalmente diferente de tudo, até das maiores maravilhas que a Natureza terrena pode produzir. E uma semente de fogo que virá transformar o mundo pela base. A superfície bem pode estar agora concordando, excitada. Mas isto nada significa. Poucos dias depois veremos que a superfície pode imprecar tão bem quanto abençoar. Trata-se apenas de ondulações superficiais. A Natureza da terra em que penetrou o Cristo pelo batismo no Jordão só pode lhe dar, enfim, a morte. A cidade que grita “hosana” só pode finalmente crucificá-lo.

Salta a faísca, acende-se o fogo, mas o Cristo atravessa as ondas de entusiasmo sem alterar-se. Quer penetrar na camada mais profunda. Quantas maravilhas não nos doa o sol natural quando nasce de manhã e pare o dia! Mas o sol exterior, o sol antigo, relacionado apenas ao homem – ser natural, se põe todas as tardes. Após o solstício de verão, ele se afasta da terra, vem o outono e o inverno. O sol natural vem, mas vai, como a vida natural que sempre nasce e sempre morre. Às alegrias da infância segue-se sempre a dor da morte. Cada qual terá que morrer algum dia, por mais cheio de vida que tenha sido quando criança e quando jovem. O domingo de Ramos é o dia do velho sol. O domingo da Páscoa será o dia do novo sol. Este não é o sol natural, é o sol espiritual. Não se põe. É permanente. Pode até mesmo ser mais facilmente encontrado nas trevas de um destino grave, na miséria, na doença e na morte, do que no arrebatamento da alegria, da infantilidade despreocupada. O Cristo entra na velha Jerusalém. É domingo de Ramos. Mas ele traz para o mundo em ocaso, moribundo, a nova Jerusalém. Não acompanha a trilha primaveril do sol exterior. Por quê? Para acender, no mais íntimo da terra e da humanidade, o novo sol, o sol perene, fiel e onipotente. É este o caminho que vai do domingo de Ramos ao domingo da Páscoa, do velho ao novo sol.

Na história da entrada em Jerusalém reconhecemos o caráter falacioso de todos os estados extáticos. Todo entusiasmo apenas extático surge quando o homem obedece apenas à Natureza. É bom, sem dúvida, que sejamos capazes de vivenciar alegria e entusiasmo diante das imagens da primavera, no convívio com crianças, no encontro dos milagres da juventude e do amor. Certamente não gostaríamos de dispensar esse entusiasmo natural. Mas devemos saber e reconhecer que é perigoso confundi-lo com a própria vida. O entusiasmo apenas natural se origina, em realidade, do homem apenas corpóreo. Só em momentos ocasionais se ergue à altura do espírito. O verdadeiro entusiasmo, que persiste no “hosana” e não se transforma em “crucificai-o”, não se forma de baixo para cima, mas de cima para baixo, nasce quando o espiritual se enraíza no ser humano, quando a faísca divina se realiza e se encarna na terra.

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