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Alquimia, A Alma se Transforma em Ouro
Os alquimistas de ontem misturavam ingredientes, fundiam metais, criavam fórmulas e traduziam - numa linguagem simbólica expressa por figuras e textos - a jornada da alma. A transformação sobre as quais falavam ainda hoje se dá em nossos corações. Veja como identificar os processos alquímicos que acontecem dentro de nós e compreenda as etapas da vida com base nesse reconhecimento.
Transformar chumbo em ouro: esse era o objetivo maior dos alquimistas, certo? Hum, certo e errado. Mais correto seria dizer: transformar uma matéria densa e pesada, como o chumbo, em algo precioso e reluzente, como o ouro.
Os alquimistas certamente empregavam uma linguagem simbólica para falar de uma realidade interna que surgia no processo de transmutação dos metais com os quais lidavam em seus laboratórios. Enquanto ficavam destilando líquidos, fundindo materiais, aquecendo e esfriando substâncias para obter o tal ouro - ou a pedra filosofal -, produzia-se também uma enorme modificação interna, que acompanhava paralelamente todas as fases feitas em laboratório e culminava com a transmutação do alquimista. Ele próprio se tornava uma pedra filosofal, alguém cujo interior brilhava e reluzia como o ouro. Assim unia seu coração a Deus e se transformava numa faísca reluzente do amor divino.
"O processo alquímico fala da transformação da alma. É algo que ocorre todos os dias, em todas as fases da vida, com todas as pessoas. Só que não estamos conscientes disso", diz Marcus Quintaes, psicanalista junguiano que, a exemplo de muitos colegas, estudou as modificações ocorridas na psique durante o processo de análise e as relacionou com as fases alquímicas. O analista se deteve principalmente no estudo das duas últimas fases do processo - são quatro -, quando a alma, já limpa e refeita do enfrentamento interno com seus sentimentos mais pesados e negativos (uma associação feita com o chumbo), passa para a ação no mundo, compartilhando com outras pessoas sua experiência e sabedoria, ou seja, quando o chumbo vira ouro. "O processo alquímico interno acontece várias vezes na vida. Por isso, não se deve pensar que uma pessoa passa por essas etapas e depois não as enfrenta nunca mais. O trabalho alquímico ocorre freqüentemente, mas pode-se dizer que cada vez ganha um aspecto diferente ou, então, envolve uma ou outra área da vida", diz Marcus Quintaes. Em outras palavras, o processo alquímico pode acontecer, por exemplo, relacionado com a vida afetiva da pessoa, em outro momento, ligado à relação dela com os filhos, ou até mesmo ser global e profundo, envolvendo vários aspectos ao mesmo tempo. Seja como for, a tendência é passar pelas quatro fases até o processo ser resolvido. "Mas pode ser também que uma pessoa fique estancada numa fase muito tempo. Cabe ao analista, ou à própria pessoa, perceber onde ela está derrapando", afirma o psicanalista.
CONHECIMENTO SECRETO
É provável que a alquimia tenha nascido no Egito. Também foi intensamente praticada na Grécia, Índia e China, onde foi conhecida como o Segredo da Flor de Ouro. Chegou à Europa na Idade Média, vinda do Oriente pelas mãos dos árabes, incomparáveis alquimistas. A palavra alquimia é de origem árabe (al khemya) e pode ser traduzida de maneira mais livre como "a fusão". Isso porque um dos principais trabalhos alquímicos era fundir e processar metais até reduzi-los à prima materia, a hipotética matéria primordial que dava origem a todas as outras. Ao conseguir a prima materia em seu laboratório, o alquimista poderia transformar chumbo em ouro. A matéria primordial, então, seria moldada no metal que ele quisesse mediante determinadas operações. Consciente do andamento das fases, o alquimista adicionava sal (ou arsênico), enxofre ou mercúrio para efetuar as operações alquímicas. E realizava os experimentos com destilação (solutio), adensamento (coagulatio), queima (calcinatio), apodrecimento (mortificatio) e vaporização das substâncias (sublimatio), assim como a separação (separatio) e fusão (conjunctio) de metais.
Todo o processo alquímico, chamado de a Grande Obra pelos alquimistas, era dedicado a Deus. O ápice era a comunhão com a Luz Divina, quando o externo e o interno do processo alquímico se unificavam. Dessa união, material e mística, surgia o ouro filosofal, que como o nome diz é um ouro místico, não denso, de matéria sutil. Também seria consequência da Grande Obra o Elixir da Longa Vida, uma substância capaz de prolongar a existência quase indefinidamente e livrá-la de todas as doenças. Conta a lenda que os alquimistas morriam com 200, 300 anos e que mesmo alguns, como o famoso Nicholas Flammel, não morreram.
A alquimia sempre foi um conhecimento para poucos. A principal razão desse segredo era a idéia de que ela proporcionava uma poderosa autonomia espiritual individual sem necessariamente seguir os passos determinados pelas religiões oficiais. O alquimista era livre e independente dos caminhos coletivos para falar com Deus: tinha seus próprios recursos, sua própria maneira de trabalhar e se propunha obter a comunhão com a luz divina individualmente e não por meio de uma instituição religiosa. Era, portanto, um conhecimento ameaçador para reis e papas, pois dispensava a intermediação do poder religioso, fugia completamente a seu controle e tentava uma comunicação direta com os planos superiores. Por esse desafio intolerável, centenas de alquimistas foram mortos pela Inquisição. E este é um dos motivos pelo qual a alquimia era transmitida por símbolos tão estranhos e por uma linguagem tão cifrada: para se manter secreta e ser praticada somente por quem tivesse acesso à interpretação dos símbolos. Mas, segundo os analistas junguianos modernos, há outra razão para isso. O inconsciente se expressa por imagens e símbolos (como acontece nos sonhos) e é justamente a força do inconsciente que vai ser trabalhada no processo alquímico interno. "Durante esse trabalho, acontece uma vigorosa eclosão do inconsciente, como uma ilha submersa que vem à tona, trazendo imagens e símbolos característicos. Posteriormente, essas imagens vão ser decifradas e integradas pelo nível consciente, iluminando o que é sombrio, pesado e negativo e trazendo mais consciência (luz) para a totalidade do ser", diz Marcus. Esse processo é chamado pelos junguianos de individuação.
AS QUATRO FASES
Conheça agora as quatro fases características do processo alquímico e a forma com que elas também podem descrever, como numa metáfora, os processos psicológicos. O modo de passar por elas varia de indivíduo a indivíduo. Uma pessoa pode ficar muito tempo numa fase ou ir para uma fase e depois regredir - é comum, por exemplo, ir e voltar da nigredo para a albedo várias vezes até a clarificação - uma característica da albedo - tomar conta definitivamente do processo. Para completar o processo alquímico, é necessário passar pelas quatro fases: nigredo (negra), albedo (branca), citrinitas (amarela) e rubedo (vermelha).
NIGREDO - A palavra está associada à cor negra, ao chumbo, a Saturno, ao que é pesado, difícil e que causa sofrimento. O primeiro passo do trabalho alquímico é, portanto, travar conhecimento com nosso lado sombrio. Faz parte do processo enfrentar raivas, invejas e ódios ocultos, reconhecer- se na cobiça (mesmo a espiritual) e na competição. Esse enfretamento com nosso aspecto mais difícil não raro causa depressão, melancolia e abandono de ação. Passamos também a julgar o mundo como um lugar triste, sem esperança, e as pessoas como não confiáveis. O primeiro passo rumo ao alto, portanto, é um mergulho para baixo para conhecer como realmente somos, com nossas emoções negativas, fraquezas e limites. Nessa fase, conteúdos do inconsciente geralmente vêm à tona, expressos como imagens simbólicas vistas em sonhos. Na alquimia clássica, essa emersão do inconsciente era causada pelos gases tóxicos emitidos pela manipulação do chumbo - alguns alquimistas simplesmente enlouqueciam. Apesar de difícil, nenhum trabalho alquímico pode ser feito sem atravessar os momentos de incubação e introversão. É aconselhável, porém, que essa descida às sombras pessoais seja feita sob as asas de um anjo: um terapeuta, um amigo mais sábio ou um conselheiro espiritual. A ultrapassagem da fase acontece quando se decide internamente não se deixar mais dominar por nossos aspectos mais escuros. Saber que eles fazem parte de nós, um reconhecimento que nos torna, inclusive, mais humanos, mas que é possível contrabalançá-los ao entrar em contato com nossa natureza mais luminosa. Começamos a compreender que somos tanto chumbo quanto ouro, e não apenas chumbo. Quando isso acontece, nós já estamos no começo da próxima fase, que antevê o abandono desse estado doloroso e o início de um tempo mais ameno.
ALBEDO - Fase ligada à água e também à claridade, ao branqueamento, à purificação e à prata. "Em um processo de análise, por exemplo, começa-se a ter lampejos de como uma emoção negativa surgiu, por que odiamos ou invejamos uma determinada pessoa", diz a psicanalista Santina Rodrigues de Oliveira, que também emprega o processo alquimíco como uma referência em seu trabalho, juntamente com arteterapia. É claro que essa compreensão mental acaba modificando a intensidade da emoção. "Essa fase é consagrada a um exame mais racional dos sentimentos. O próprio cliente começa a dar explicações de suas reações, a entender o que as motivou", diz Santina. Portanto, há um afastamento (separatio) das emoções para uma interpretação do que acontece. Na alquimia clássica, é época de lavagem, limpeza, destilação e organização. E também um período no qual as coisas fluem com mais facilidade e menos sofrimento. Há um risco, porém: o ego, demasiadamente inflado, julga que não é mais tão "pesado" e "primitivo", como na nigredo, e sim mais "evoluído", "civilizado" e mesmo "santificado" ou "escolhido". Esse sentimento de ser muito especial e superior traz afastamento, intolerância e irritação entre as pessoas, a quem o ego critica continuamente. Enfim, a albedo é uma fase que sempre corre o risco de esticar-se demais e se tornar uma tortura para a pessoa, tanto para si como para os outros. "A pessoa pode se imobilizar numa análise sem fim, elocubrando teorias e teorias sobre ele mesmo, o sentido da vida, as leis do Universo. Mas é incapaz de olhar para o que acontece a seu lado e fazer alguma coisa", diz Santina. Inevitavelmente, chega o ponto em que esse processo de individualismo cansa, se esgota. E começa a fase amarela.
CITRINITAS - Essa fase é intermediária e quase sempre mais curta. Em muitos tratados alquímicos, ela nem sequer aparece."Mas, em um trabalho terapêutico, é muito importante. O amarelo significa que a albedo amareleceu, isto é, envelheceu, como um papel branco que fica amarelado com o tempo", diz Marcus Quintaes. Na alquimia clássica, a fase está ligada ao enxofre, a algo que apodrece e cheira mal. O psicanalista americano James Hillman fala que a fase amarela interrompe a fase em que a pessoa só pensa em si mesma. Não é apenas o que interessa à realidade individual interna que tem importância. A alma começa a olhar para além de si mesma, estende seu olhar para o mundo, vê com mais compreensão os outros. E finalmente experimenta a compaixão. Assim, nasce a idéia de compartilhar suas experiências e estar mais próxima das pessoas para ajudar. O amarelo se torna então radiante, dourado, como os raios de Sol da aurora que anunciam o novo dia. Inicia-se então a fase vermelha.
RUBEDO - Na fase vermelha, ligada ao mercúrio e ao ouro, acontece um processo de síntese interno, uma união entre as forças opostas que atuam dentro da gente e que vai gerar a pedra filosofal. O lado masculino e o feminino da alma se integram. Essa união é representada nas narrativas alquímicas pelo casamento do Sol e da Lua, ou da Terra e do Céu. "Esse casamento é chamado de conjunctio, o ponto culminante da Obra", escreveu Edward F. Edinger no livro Anatomia da Psique - O Simbolismo Alquímico da Psicoterapia. A ressurreição e o nascimento do "corpo glorioso", o corpo humano permeado pela glória do espírito, é outra metáfora usada. "Algo firme nasceu, algo que está além dos altos e baixos da vida, e simultaneamente nasceu algo muito vivificante, que participa do fluxo vital sem inibições ou restrições da consciência", diz a psicanalista suíça Marie- Louise von Franz no livro Alquimia. O psicanalista Carl Jung também descreve com poesia esse momento. Para ele, é como estar no pico de uma montanha, acima da tempestade.Vemos as nuvens negras, os relâmpagos e a chuva caindo, mas algo em nós paira acima de tudo e podemos simplesmente observar os elementos em fúria. Talvez esse momento ainda não seja definitivo - é provável que ainda caiamos sob a emoção de um estado negativo. Mas algo em nós já é capaz de dizer que essa cantiga é nossa velha conhecida e, de certa forma, não seremos tão capturados por ela.
JUNG E OS ALQUIMISTAS
O primeiro pesquisador moderno que notou a semelhança entre os processos psicológicos ocorridos na mente e os processos descritos pelos alquimistas foi o psicanalista suíço Carl Gustav Jung (1888-1968). O cientista da alma, ao analisar os sonhos de centenas de pacientes, notou que as figuras e os símbolos descritos e desenhados por eles também estavam representados nas pranchas ou tábuas que mostravam como acontecia o processo da alquimia. Essa curiosa analogia surgiu sincronicamente, como Jung dizia. O psicanalista estava pintando uma mandala com um castelo dourado no meio. E se perguntou:"Por que esse castelo me parece tão chinês?" No mesmo momento, seu amigo Richard Wilhelm, o tradutor do I Ching para o alemão, enviava a ele pelo correio um manuscrito sobre alquimia chinesa que falava do palácio dourado como símbolo do Si-Mesmo, ou Self, como Jung chamava a totalidade e o ponto central da psique humana. Ao ler o texto, que já falava de fases e processos, Jung viu que existia um antigo sistema de conhecimento que corroborava suas idéias sobre a jornada da alma no mundo. Durante muitas décadas de sua vida, ele se dedicou a estudar esse processo.
Fonte da imagem (Jung)::nemdeusesnemastronautas.blogspot.
Fantástico!!!
ResponderExcluirObrigada pela visita e comentário. Volte sempre.
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